MISSÃO URBANA / DIALÉTICA : JERUSALÉM E BABILÔNIA
- MINISTÉRIO RESGATE
- 3 de mar. de 2020
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Babilônia e Jerusalém são dois símbolos e duas realidades presentes nas cidades ao longo da história. Nenhuma cidade é totalmente Babilônia nem completamente Jerusalém. Não se trata de um dualismo : ou uma ou outra, mas de uma relação dialética, isto é : cada cidade é simultaneamente Babilônia – cidade marcada pela injustiça e pela opressão e Jerusalém – cidade que carrega de sinais de vida e de esperança.
A Jerusalém histórica tornou-se Babilônia apesar de todo cuidado de Deus para com ela (Ez 16). Para uma percepção teológica adequada desta dialética, é necessária a busca de uma chave hermenêutica (interpretativa) que permita lidar com esta realidade.
A melhor chave hermenêutica para a Missão Urbana, no entanto, encontra-se na palavra de Jesus : Jerusalém, Jerusalém, você, que mata os profetas e apedreja os que lhe são enviados ! Quantas vezes eu quis reunir os seus filhos, como a galinha reúne os seus pintinhos debaixo de suas asas, mas vocês não quiseram ! (Lc 13.34NVI) Por que esta palavra é tão central ? Nela, Jesus mostra a relação dialética entre a realidade objetiva e subjetiva da cidade. A cidade é, simultaneamente, Babilônia e Jerusalém. Nela, opera o juízo e a graça, a violência e a misericórdia.
O Evangelho do Reino, por sua vez, segue a lógica dos profetas do AT. Sustenta, assim, uma proposta para a superação desta dialética que ocorre através do arrependimento e da conversão. Veja o acontecido em Nínive de Jonas. A mesma mensagem é anunciada por João Batista. A figura da galinha, que acolhia os pintinhos debaixo das asas, simboliza o desejo de Jesus de abraçar a cidade com misericórdia, o qual a natureza babilônica (violenta) dos governantes não permitia.
A MISSÃO URBANA NO NOVO TESTAMENTO
A mensagem do Reino de Deus, após a ressurreição de Jesus, transpôs as fronteiras da Palestina e ingressou no mundo das grandes cidades gregas e romanas. Em cerca de 20 anos, o Evangelho alcançou a Antioquia na Síria, Roma na Itália, Éfeso na Ásia Menor, Corinto na Grécia, Filipos e Tessalônica na Macedônia e Alexandria no Egito.
O Evangelho seguia as grandes rotas comerciais. Ao analisar a expansão quantitativa e qualitativa do movimento cristão nos primeiros séculos da era cristã, Rodney Stark, levanta uma instigante questão : De que forma um minúsculo e obscuro movimento messiânico da periferia do Império Romano desbancou o paganismo clássico e tornou-se a religião dominante da civilização ocidental ? Embora esta questão mereça um aprofundamento maior do que aquele a que este artigo propõe-se, convém atentar para as explicações relevantes a seguir apresentadas.
Nélio Schneider observa : o aspecto intrigante exatamente é que a mensagem do evangelho encontrou ressonância num meio totalmente diferente do de sua origem e teve como meta fazer a cabeça e o coração de pessoas da pólis e da urbs, às quais, a princípio, nem eram visadas. Como isto aconteceu ? Tomemos com figura chave deste processo o apóstolo Paulo. Como um ser da cidade, parece que alimentava uma “utopia urbana (Fp 3,20) que nunca chegou a descrever. Suas cartas, no entanto, exortam os cristãos a viverem a cidadania de maneira digna do Evangelho (Fp 1.27; 1 Ts 2.12). Desde o início, a comunidade cristã entende-se como parte da pólis e não uma segregação à parte.
Para Nélio Schneider, a vivência cidadã dos cristãos foi o fator fundamental para construir a ponte entre o interiorano e o urbano. “Quem divulgou o Evangelho não questionou a cidade em si, mas a viu como um lugar de concretização vital da mensagem evangélica. Não foi o Evangelho que acolheu o meio urbano mas o meio urbano que acolheu o Evangelho”... “Este é o primeiro dado importante : o Evangelho não problematiza o urbano por princípio”. Segundo Rodney Stark, o avanço do Evangelho deve ser creditado a três fatores : A força do amor expresso, entre outras, na atitude demonstrada quando acolhem crianças recém-nascidas abandonadas pelos romanos. Afinal, a marca maior dos cristãos não consistia em ritos religiosos ou liturgias extravagantes, mas na maneira como viviam o mandamento maior dado por Jesus : "amai-vos uns aos outros assim como eu vos amei”.
A vida com dignidade. No interior de uma sociedade escravagista, as comunidades cristãs vivenciavam uma solidariedade ímpar. Em Cristo, superavam as descriminações raciais, sociais, econômicas, religiosas e de gênero. Tratavam-se como irmãos e irmãs. Especialmente as mulheres e as crianças eram tratadas como iguais aos adultos. E o casamento monogâmico era uma maneira robusta de restaurar a dignidade feminina. O senso de liberdade em Cristo. A essência do Evangelho era algo tão especial a ponto de optarem por assumir uma vida leve, sem apegos a bens materiais, status social, riquezas, ...Nem mesmo a morte valia tanto quanto a liberdade encontrada pela na graça salvadora de Cristo Jesus. Desta maneira, a qualidade do ser das comunidades cristãs serviu como fermento e sal na sociedade romana.
A qualidade superior da ética decorrente da fé cristã contagiava as pessoas e, consequentemente, as cidades da época. Longe de esgotar tão apaixonante assunto, cabe-nos indagar qual o nosso papel atual no cenário urbano brasileiro. Todavia, para mergulhar nesta questão, impõe-se a compreensão da lógica do processo urbanizatório brasileiro e suas consequências sociais e espirituais.
MISSÃO URBANA / CONSEQUÊNCIAS SOCIAIS E RELIGIOSAS
Para entender a realidade urbana de nossos dias, é indispensável a compreensão das causas e das consequências do processo urbanizatório brasileiro na segunda metade do século XX. A vitória definitiva da cidade sobre o campo aconteceu no Regime Militar imposto em 1964, o qual consagrou aqui o capitalismo monopolista da grande burguesia internacional aliada à burguesia nacional composta de industriais, empresários e grandes produtores rurais além de latifundiários e, principalmente, das Forças Armadas com apoio logístico da CIA/EUA. Sendo assim, a urbanização brasileira foi bancada pelo Estado e seus aliados para industrializar o país e inseri-lo no moderno mercado mundial. O crescimento das cidades não foi algo natural.
O resultado prático desta política foi o inchaço urbano. As principais causas geradoras da migração campo-cidade foram: a mecanização do campo; monocultura voltada para exportação, desintegração da agricultura familiar, disseminação dos agrotóxicos, eletrificação rural, falta de legislação de amparo ao trabalhador rural, confusão entre poupança e inflação, falaciosas vantagens do crédito bancário... Este processo urbanizatório , a bem da verdade, não urbanizou as cidades. Pelo contrário, produziu um imenso inchaço urbano e causou muitos problemas humanos e sociais.
Eis alguns dados deste processo em âmbito nacional :
1950 : população rural - 64%; população urbana - 36%;
1980 : população rural - 32%; população urbana - 68%
2000 : população rural - 18,8%; população urbana - 81.2%.
2010 : população rural – 14,6%; população urbana – 85,4%.
A cidade de Porto Alegre é a capital brasileira que menos cresceu. Mesmo assim, a sua população quase triplicou em 60 anos :
1950 : 368.014 hab;
1980 : 1.157.709;
2000 : 1.360.590;
2010 : 1.409.939 habitantes, sem contar o inchaço na Região Metropolitana.
Curitiba :
1950 : 180.573 hab;
1980 : 1.024.975;
2000 : 1.587.315;
2010: 1.746.893.
No mesmo período de seis décadas, Curitiba, a exemplo de outras capitais, multiplicou sua população em quase dez vezes. As consequências sociais do processo foram a favelização e o inchaço urbano sem infraestrutura, caos na saúde, na segurança e na habitação, a multiplicação da violência (criminalidade), desintegração humana e social, desemprego, drogadicção, prostituição infantil e tráfico de drogas...
Vale lembrar que o regime militar acirrou o contraste entre uma elite rica e a massa dos empobrecidos. Os sinais do progresso contrastavam com a multiplicação das favelas. Esta conduta não foi alterada, em sua essência, nos governos “democráticos” seguintes.
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