CULTO E MÚSICA - O CULTO REFORMADO I – ALGUNS DOS SEUS PRINCÍPIOS
- MINISTÉRIO RESGATE
- 29 de mar. de 2020
- 9 min de leitura

A preocupação dos Reformadores era de ter um “culto legítimo” — legítimo perante Deus. Esta deve ser a nossa preocupação também. Podemos aprender muito com os resultados dos trabalhos de homens como Lutero e Calvino. Dizendo isto, não podemos esquecer que a história não é normativa. A Escritura é a única regra de fé e de prática. Foi a Escritura que levou os Reformadores à reforma do culto. “Por ventura a palavra de Deus se originou no meio de vós, ou veio ela exclusivamente para vós outros?” (1 Co 14:36). Esta palavra apostólica justifica um estudo do Culto Reformado c om atenção especial à história deste culto.
O título deste estudo fala de princípios do Culto Reformado, porque não existe algo como “O culto reformado”. Não existe um só “culto reformado ”. No século XVI havia uma grande variedade de modelos de culto nas Igrejas Reformadas na Europa. O próprio Calvino fez vários modelos para as congregações que ele serviu como pastor. Mas certamente podemos descobrir princípios comuns em todos estes modelos.
CULTO LEGÍTIMO CONFORME AS ESCRITURAS
Parece que o termo “culto legítimo” é de Calvino. Ele ensina no início da sua grande obra, As Institutas, que há uma estreita ligação entre o conhecimento de Deus e a adoração a Deus. O “culto legítimo” é apenas possível dentro dos moldes da Revelação de Deus. Oculto a Deus é determinado, caracterizado e colorido pela Revelação de Deus. Em outra parte das Institutas (IV.X.30), Calvino diz: “Eu aprovo exclusivamente essas ordenanças humanas que sejam não somente fundadas na autoridade de Deus, mas também tomadas da Escritura e, por isso, inteiramente divinas”. Temos que adorar a Deus da maneira que Ele nos ordenou. Este era um princípio imutável para Calvino. Ao mesmo tempo, este princípio levou Calvino a dizer que preceitos para o culto e formas de expressão podem ser variáveis quando não há ensino expresso sobre eles na Escritura. Resumindo, o culto será legítimo se estiver em conformidade com as Escrituras. Este é o primeiro grande princípio do Culto Reformado.
Isto significou o rompimento com a liturgia romana. Os Reformadores chegaram à conclusão de que esta liturgia contém elementos pagãos e judaicos. O uso de imagens é um exemplo típico da necessidade do pagão de ter um deus visível que ele pode manipular. Tal uso ofende a suprema majestade do Deus Vivo.
Calvino sentenciou: A liturgia Romana imita o culto mosaico do Velho Testamento e nega a vinda de Cristo, que é o fim das cerimônias judaicas (Cf. Rm 10:4). Especialmente a Carta aos Hebreus mostra que o próprio Cristo reformou o culto, através de seu ato salvífico. Calvino sempre defendeu a unidade essencial entre a Antiga e a Nova Aliança. Mas ele sabia que com Cristo chegou a fase da Nova Aliança, com seu novo modo de cultuar a Deus. Adoramos a Deus em espírito e em verdade (Cf. Jo 4:23). O culto romano negava esta realidade. Por isso, o culto tinha que ser reformado por nossos irmãos d o século XVI.
CULTO REFORMADO VOLTA AO CULTO ORIGINAL
O Culto Reformado, rompendo com a antiga liturgia romana, era por isso mesmo uma volta ao culto original da igreja dos apóstolos e dos chamados “Pais da Igreja” (líderes destacados da Igreja Antiga dos séculos II a IV). Neste segundo princípio do Culto Reformado descobrimos, por exemplo, no título que Calvino deu à liturgia de Genebra de 1542: Forma de culto “conforme o costume da Igreja Antiga”. Como era, para Calvino, o culto original da Igreja Apostólica ? Ele estava consciente de que a Escritura não nos oferece um modelo detalhado para nossos cultos dominicais. Mesmo assim, para Calvino, o Novo Testamento contém alguns elementos básicos que nunca podem faltar nos cultos.
Reconhecemos então em Atos 2:42, um verso que, para Calvino, era fundamental : “E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações”. Nas suas Institutas (IV.XVll.44), Calvino escreve, baseando-se neste verso : “Assim, de modo geral, haver-se-ia de agir que nenhuma reunião da igreja se fizesse, sem a Palavra, as orações, a participação da Ceia e as esmolas”.
Como foi que Calvino aplicou os elementos principais da Escritura em seu modelo para um culto reformado? O primeiro modelo, que encontramos nos escritos de Calvino está nas Institutas, já na primeira edição de 1536 (IV.XVII.43). Encontramos as seguintes partes: orações públicas; o sermão; celebração da Santa Ceia; exortação à fé sincera e à confissão dessa fé; ação de graças e louvores em cânticos; despedida em paz. A celebração da Santa C eia inclui a leitura das palavras da instituição, proclamação das promessas do Senhor nestas palavras, vedação à comunhão daqueles que o Senhor barrou dela, oração, cantar salmos ou leitura bíblica, e por final a própria comunhão. Calvino sempre permaneceu fiel a este resumo de seu programa litúrgico que ele escreveu na idade de 26 anos.
Queremos ainda perguntar por que Calvino tinha tanta atenção para a Igreja Antiga e aos Pais da Igreja ?
1. Primeiro: porque ele queria cultuar a Deus na comunhão com todos os santos (Ef 3:18).
2. Segundo: porque o testemunho dos Pais da Igreja não apoiava o culto romano, como a Igreja Romana dizia.
3. Terceiro: a razão mais importante do interesse p ara a Igreja Antiga era porque ela preservou o culto bíblico.
Os Pais da Igreja em si não eram importantes para Calvino, e, sim, a fidelidade deles à doutrina do Evangelho, também na área da liturgia. Por isso, a reforma do culto no século XVI significa a volta à origem mais antiga do culto , e não um rompimento revolucionário com o passado. O Culto Reformado deu uma volta por cima da “antiga” liturgia romana, de volta às fontes que eram os ensinos dos apóstolos d e Cristo.
Como a Igreja Antiga estava perto da era dos apóstolos, Calvino usou os testemunhos dos Pais da Igreja na sua reforma do culto. Ele restaurou a Santa Ceia como ato de comunhão entre Cristo e seus fiéis e como ação de graças. Contra a prática de missas privadas, enfatizava Calvino que a Santa Ceia devia ser celebrada na presença da congregação inteira, nos cultos dominicais, como na Igreja Antiga. Calvino colocou no início do primeiro culto dominical a confissão dos pecados seguida de palavras de absolvição, conforme a prática antiga. Outra prática da Igreja Antiga que Calvino restaurou era a de recitar ou cantar o Credo Apostólico no culto como renovação do juramento de fidelidade ao Deus Triúno.
LIBERDADE CRISTÃ NA LITURGIA REFORMADA
Parecem dois princípios contraditórios: querer um culto somente baseado nas Escrituras e permitir liberdade na liturgia. Mas não há nenhuma contradição, se entendemos o que é liberdade cristã. Ela é a liberdade que Cristo nos dá em Sua Palavra. Por isso, esta liberdade tem seus limites na própria Palavra de Cristo, o único Legislador em questões litúrgicas. Liberdade cristã na liturgia não pode significar desordem, arbitrariedade ou mania de sempre renovar o culto. Por outro lado, Calvino não queria obrigar a consciência através de tradições humanas como a Igreja Romana fazia. Nem queria legalismo na liturgia. O que está escrito expressamente na Palavra nos obriga a observá-lo. Mas Calvino reconhecia que nosso Mestre não quis prescrever minuciosamente o que devemos seguir e que Ele não julgou “convir a todos os séculos uma forma única” (Institutas IV.X.3O). O próprio Calvino serviu várias igrejas reformadas com modelos de culto que eram diferentes em certos pontos.
O CULTO REFORMADO II – ALGUMAS CARACTERÍSTICAS
Vamos estudar algumas características do Culto Reformado. Certamente, o Culto Reformado não é totalmente distinto de cultos em outras tradições protestantes. Por exemplo, orar e cantar não são características só do Culto Reformado. Não há culto, em igreja nenhuma, que não tenha orações e cânticos.
Mas, sem dúvida, a estrutura de um encontro dentro da aliança, a centralidade da pregação e o cantar salmos se constituem elementos distintos do culto reformado.
Observação : neste estudo trataremos apenas do culto público.
ENCONTRO DE DEUS COM O POVO DA SUA ALIANÇA
Lemos em Levítico 23:3 esta palavra do Senhor : “Sei s dias trabalhareis, mas o sétimo dia será o sábado do descanso solene, santa convocação;... é sábado do Senhor...” Este verso nos ensina várias coisas sobre o culto :
— O culto é caracterizado como santa convocação;
— O culto é iniciativa do próprio Senhor;
— O culto é realizado num dia especial, o Dia de descanso.
1. Encontro Com Deus
Deus quer se encontrar com seu povo. A palavra “convocação” tem a ver com reunião, assembleia. Na linguagem evangélica de hoje temos como culto evangelístico, culto de oração e culto de doutrina, mas o culto é antes de qualquer coisa o encontro entre Deus e seu povo. É o único encontro que pode ser chamado de “santa convocação”.
2. Procedência Do Culto
A palavra “convocação” também significa que Deus no s chama para o culto. O culto vem de Deus! O culto não é nossa iniciativa. Deus é, como sempre, o primeiro. O culto é encontro de Deus com seu povo e, por isso, nosso encontro com Ele.
3. Objetivos Do Culto Reformado
O culto como encontro entre Deus e seu povo faz parte da Aliança de Deus. Nesta Aliança, Deus é o primeiro, visto que Ele estabeleceu sua aliança (pacto) com Abraão, e não Abraão com Deus. Deus criou um dia especial para o encontro com seu povo: o sábado, chamado em Êxodo 31:13-17 de um “sinal da Aliança”. E Deus colocou o culto no centro deste dia especial.
Por isso, o Culto Reformado tem a estrutura de um encontro em que os dois “partidos” ou “participantes” da Aliança agem e falam. Não querem os falar do culto como um diálogo, porque o diálogo supõe igualdade entre os participantes. Na Aliança de Deus não há igualdade. Deus é o Soberano, e nós somos seus súditos. Nós não somos “sócios” de Deus. Mas podemos dizer que o culto e a “conversa” de Deu s com seu povo.
Isto significa que Deus fala primeiro! Nisto, o Culto Reformado é diferente do culto romano que coloca o homem no primeiro lugar, com sua ação na missa. Especialmente Calvino sempre enfatizou que o culto é primeiramente uma ação de Deus. E Ele que age e fala, garantindo, dando e efetuando sua salvação.
Mas é claro que Deus espera uma resposta de seu povo : No culto, o povo de Deus também age. Mas esta ação é sempre uma reação. A congregação reage à Palavra de Deus, dando sua resposta de fé, cantando, confessando e orando, e, antes de tudo, escutando, recebendo assim a salvação divina.
Tudo isso constitui a primeira característica do Culto Reformado : é um encontro de Deus com seu povo. É um encontro com dois grandes objetivos: o de Deus é salvar seu povo, e o objetivo do povo de Deus é glorificar a seu Deus.
CENTRALIDADE DA PREGAÇÃO
Se Deus é o primeiro no culto, sua Palavra deve ter o lugar central dentro do culto. Especialmente agora, na Nova Aliança, na qual não h á mais lugar para as cerimônias do antigo culto de Israel. Deus usou aquelas cerimônia s como figuras e sombras da realidade que é Cristo. Por isso a carta aos Hebreus 1:2 diz que “nos últimos dias Deus nos falou pelo Filho”. O Filho de Deus é chamado de o Verbo, a Palavra, o Porta-voz do Pai.
Deus se encontra com seu povo, no culto, principalmente através da sua Palavra. Os Reformadores baniram as imagens porque Deus vem até seu povo na sua Palavra. Só conhecemos Deus através da sua Palavra. Ele se revela a nós em sua Palavra. Rm 10:17 nos ensina que é somente a Palavra que opera nossa fé.
No Culto Reformado, esta Palavra é lida e pregada. O próprio Deus nos deu a leitura da Palavra dando-nos as Escrituras. Em várias partes da Bíblia encontramos leituras da Palavra na reunião do povo de Deus. No culto da Aliança, encontramos a cerimônia do derramamento do sangue da Aliança, mas também a leitura do Livro da Aliança. O próprio Senhor Jesus fez a leitura bíblica num culto, segundo Lc 4:17-20.
Mas era a convicção de todos os Reformadores que as Escrituras foram dadas por Deus, não somente para serem lidas no culto, mas também para serem pregadas e explicadas. Para eles, a leitura e pregação da Palavra eram inseparáveis. Já os profetas do Velho Testamento pregavam a Palavra. O próprio Cristo deu aos apóstolos a tarefa de ensinar aos discípulos de todas as nações (Mt 28:20). Os apóstolos falaram do ministério da Palavra (At 6:4). A Palavra deve ser distribuída ou servida ao povo de Deus. A Primeira Igreja permanecia na doutrina dos apóstolos (At 2:42). Esta doutrina era o ensino pela pregação da Palavra. “Prega a Palavra”, Paulo diz para o jovem pastor Timóteo (2 Tm 4:2). Pode ser claro que a própria Bíblia mostra que a leitura da Palavra exige a pregação dela.
No encontro com Deus, Ele fala primeiro.
CANTAR SALMOS
O sacrifício da Nova Aliança é o louvor diz Hb 13:15. Este louvor “é o fruto de lábios que confessam o seu nome”. É a Palavra que nos faz conhecer e confessar o Nome de Deus. O assunto da centralidade da pregação nos leva naturalmente ao louvor, que é fruto da Palavra pregada.
Como deve ser este louvor ? Respondendo a esta pergunta, encontramos uma característica do Culto Reformado: cantar salmos. Especialmente o reformador João Calvino é responsável por esta característica. Para ele, cantar salmos tem prioridade. Mas ele não sabia que Ef 5:19 e Cl 3:16 falam de “salmos... hinos e cânticos espirituais”? Claro que sabia. Por isso, Calvino não defendia o uso exclusivo dos salmos nos cultos, como alguns calvinistas pensam. Em sua primeira publicação litúrgica (1539), Calvino ofereceu ao povo de Deus não somente alguns salmos rimados, mas também alguns cânticos, baseados em trechos bíblicos. Na Igreja de Genebra se cantavam os Dez Mandamentos e o Credo Apostólico !
Calvino não era contra o uso de hinos, desde que fossem baseados em versos ou trechos da Bíblia.
Mas os salmos tinham prioridade e Calvino fez questão de oferecer à Igreja todos os 150 salmos rimados. Ele concordava com uma palavra de Agostinho : “Ninguém pode cantar de modo digno perante Deus se não cantar aquilo que recebeu de Deus”. Por isso, Calvino concluiu que não há cânticos melhores do que os Salmos de Davi porque eles foram inspirados pelo Espírito Santo.
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