DIDÁTICA - A INTERAÇÃO PROFESSOR-ALUNO
- MINISTÉRIO RESGATE
- 11 de abr. de 2020
- 9 min de leitura

O Valor Pedagógico Da Relação Professor-Aluno
A formação das crianças e dos jovens ocorre por meio de sua participação na rede de relações que constituía dinâmica social. É convivendo com pessoas, seja com adultos ou com seus colegas - grupos de brinquedo ou de estudo -, que a criança e o jovem assimilam conhecimentos e desenvolvem hábitos e atitudes de convívio social, como a cooperação e o respeito humano. Daí a importância do grupo como elemento formador.
Cada classe constitui também um grupo social. Dentro desse grupo, que ocupa o espaço de uma sala de aula, a interação social se processa por meio da relação professor-aluno e da relação aluno-aluno. É no contexto da sala de aula, no convívio diário com o professor e com os colegas, que o aluno vai paulatinamente exercitando hábitos, desenvolvendo atitudes, assimilando valores. Sobre isso, diz Georges Gusdorf, em sua admirável obra Professores, para quê ?: "Cada um de nós conserva imagens inesquecíveis dos primeiros dias de aula e da lenta odisséia pedagógica a que se deve o desenvolvimento do nosso espírito e, em larga medida, a formação da nossa personalidade. O que nos ensinaram, a matéria desse ensino, perdeu-se. Mas se, adultos, esquecemos o que em crianças aprendemos, o que nunca desaparece é o clima desses dias de colégio: as aulas e o recreio, os exercícios e os jogos, os colegas". O valor pedagógico da relação professor-aluno. E por que não dizer também que sempre nos lembraremos daqueles que foram nossos professores, de suas personalidades, de suas formas de agir, de pensar e se expressar ?
O que Georges Gusdorf quer dizer, ao se expressar de forma tão tocante por meio dessas palavras e ao longo de toda a sua obra, é que a escola é um local de encontros existenciais, da vivência das relações humanas e da veiculação e intercâmbio de valores e princípios de vida. Se, por um lado, a matéria e o conteúdo do ensino, tão racional e cognitivamente assimilados, podem ser esquecidos, por outro, o "clima" das aulas, os fatos alegres ou tristes que nelas se sucederam, o assunto das conversas informais, as idéias expressas pelo professor e pelos colegas, a forma de agir e de se manifestar do professor, enfim, os momentos vividos juntos e os valores que foram veiculados nesse convívio, de forma implícita ou explícita, inconsciente ou conscientemente, tudo isto tende a ser lembrado pelo aluno durante o decorrer de sua vida e tende a marcar profundamente sua personalidade e nortear seu desenvolvimento posterior.
Isso ocorre porque é durante este convívio, isto é, são nesses momentos de interação, instantes compartilhados e vividos em conjunto, que o domínio afetivo se une à esfera cognitiva e o aluno age de forma integral, como realmente é, como um todo. Ou seja, ele age não só com a razão, mas também com os sentimentos e as emoções. Portanto, neste momento de interação, de convívio, de vida em conjunto, o aluno torna-se presente por inteiro, pois a razão e os sentimentos se unem, guiando seu comportamento.
O professor Walter Garcia afirma que "a educação, seja ela escolar ou 'do mundo', é fenômeno que só ocorre em razão de um processo básico de interação entre pessoas. (...) Que a educação é processo eminentemente social julgamos desnecessário insistir, tal a evidência com que isto se manifesta. Aliás, poderíamos ir mais além, ao dizer que a educação existe exatamente porque o homem é um ser gregário e que só se realiza como tal a partir do momento em que entra em relação com seu semelhante. Enquanto processo de formação humana, a educação é a única maneira pela qual é assegurada a continuidade da espécie, que assim consegue dominar a natureza e imprimir nela sua presença e sua maneira de ver o mundo".
Falando mais especificamente sobre o ato de ensinar e aprender, Bruner diz que ele é um processo essencialmente social, porque "as relações entre quem ensina e quem aprende repercutem sempre na aprendizagem".
Os educadores concordam que o processo educativo e, mais especificamente, a construção do conhecimento são processos interativos, e portanto sociais, nos quais os agentes que deles participam estabelecem relações entre si. Nessa interação, eles transmitem e assimilam conhecimentos, trocam idéias, expressam opiniões, compartilham experiências, manifestam suas formas d e ver e conceber o mundo e veiculam os valores que norteiam suas vidas.
Portanto, a interação humana tem uma função educativa, pois é convivendo com os seus semelhantes que o ser humano é educado e se educa.
No processo de construção do conhecimento, o valor pedagógico da interação humana é ainda mais evidente, pois é por intermédio da relação professor-aluno e da relação aluno-aluno que o conhecimento vai sendo coletivamente construído.
O educador, na sua relação com o educando, estimula e ativa o interesse do aluno e orienta o seu esforço individual para aprender. Assim sendo, o professor tem, basicamente, duas funções na sua relação com o aluno:
a) uma função incentivadora e energizante, pois ele deve aproveitar a curiosidade natural do educando para despertar o seu interesse e mobilizar seus esquemas cognitivos (esquemas operativos de pensamento);
b) uma função orientadora, pois deve orientar o esforço do aluno, para aprender, ajudando-o a construir seu próprio conhecimento.
Cabe ao professor, durante sua intervenção em sala de aula e por meio de sua interação com a classe, ajudar o aluno a transformar sua curiosidade em esforço cognitivo e a passar de um conhecimento confuso, sincrético, fragmentado, a um saber organizado e preciso.
Mas o professor deve ter bem claro que, antes de ser um professor, ele é um educador, pois sua personalidade é norteada por valores e princípios de vida, e consciente ou inconscientemente, explícita ou implicitamente ele veicula esses valores em sala de aula, manifestando-os a seus alunos. Assim, ao interagir com cada aluno em particular e ao se relacionar com a classe como um todo, o professor não apenas transmite conhecimentos, em forma de informações, conceitos e idéias (aspecto cognitivo), mas também facilita a veiculação de ideais, valores e princípios de vida (elementos da esfera afetiva), contribuindo para a formação da personalidade do educando.
De acordo com nossa concepção, o educando é “uma pessoa que se desenvolve, que atualiza suas possibilidades, que se ajusta e se reajusta, mediante processos dinâmicos, orientados por valores que lhe conferem individualidade e prospectividade”.
Quem assim concebe o educando, tende a valorizar ainda mais a relação professor aluno, pois vê nessa interação um processo de intercâmbio de conhecimentos, idéias, ideais e valores, que atua diretamente na formação da personalidade.
A Importância Do Diálogo Na Relação Pedagógica
Como vimos, a construção do conhecimento é um processo interpessoal. O ponto principal desse processo interativo é a relação educando-educador. E esta relação não é unilateral, pois não é só o aluno que constrói seu conhecimento. É verdade que o aluno, através desse processo interativo, assimila e constrói conhecimentos, valores, crenças, adquire hábitos, formas de se expressar, sentir e ver o mundo, forma idéias, conceitos (e por que não dizer preconceitos?), desenvolve e assume atitudes, modificando e ampliando suas estruturas mentais.
Mas também é verdade que o professor é atingido nessa relação. De certa forma, ele aprende com seu aluno, na medida em que consegue compreender como este percebe e sente o mundo, e na medida que começa a sondar quais os conhecimentos, valores e habilidades que o aluno já traz de seu ambiente familiar e de seu grupo social para a escola.
Assim, em decorrência dessa relação, o professor pode passar a conhecer novas formas de conceber o mundo, que são diferentes da sua. Pode também rever comportamentos, ratificar ou retificar opiniões, desfazer preconceitos, mudar atitudes, alterar posturas.
Talvez seja por isso que Guimarães Rosa tenha escrito, em seu livro Grande Sertão: veredas, que "mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende".
Nesse contato interpessoal instaura-se um processo de intercâmbio, no qual o diálogo é fundamental. De um lado está o professor com seu saber organizado, seu conhecimento cientificamente estruturado, sua forma de se expressar na norma culta da língua, com os ideais e valores formais aceitos e proclamados oficialmente pela sociedade e com seu grau de expectativa em relação ao desempenho do aluno. Do outro lado está o aluno com seu saber não sistematizado, difuso e sincrético, seu conhecimento empírico, com o modo de falar próprio de seu ambiente cultural, com os ideais e valores de seu grupo social e com um certo nível de inspiração em relação à escola e à vida.
Esse encontro do professor com o aluno poderá representar uma situação de intercâmbio bastante proveitosa para ambos, em que o conhecimento será construído em conjunto ou, ao contrário, poderá se transformar num verdadeiro duelo, num defrontar de posições pouco ou nada proveitoso para ambos.
Para haver um processo de intercâmbio que propicie a construção coletiva do conhecimento, é preciso que a relação professor aluno tenha como base o diálogo. É por meio do diálogo que professor e aluno juntos constroem o conhecimento, chegando a uma síntese do saber de cada um.
O diálogo é desencadeado por uma situação-problema ligada à prática. O professor transmite o que sabe, partindo sempre dos conhecimentos manifestados anteriormente pelo aluno sobre o assunto e das experiências por ele vivenciadas. Assim, ambos podem chegar a uma síntese esclarecedora da situação-problema que suscitou a discussão. Nesse momento de síntese, o conhecimento é organizado e sistematizado, sendo novamente aplicado à prática, agora já de forma estruturada.
Referindo-se ao diálogo na prática pedagógica, assim se expressa Maria Teresa Nidelcoff: "Ao trabalhar corretamente com o problema das subculturas, o professor procura captar toda a riqueza que as crianças trazem, para de fato aprender com elas. Portanto, não se relaciona com as crianças como se fosse o único que tem algo a ensinar, nem vê as crianças como seres nulos que devem aprender tudo; ao contrário, sabe que ele e as crianças têm que se relacionar dentro de um mútuo intercâmbio de ensinar-aprender".
O professor Antonio Faundez, no seu lindo texto intitulado Dialogue pour te développement et le développement du dialogue, salienta a necessidade do diálogo no ato de construção do conhecimento ao comentar: "Se analisarmos etimologicamente o verbo francês que indica a ação de conhecer (connaître), perceberemos que é formado de duas partes (con-naître), que significam 'nascer juntos', isto é, nascer com alguma coisa ou com alguém. Portanto, o ato de conhecer é um nascimento partilhado, no qual dois seres renascem. O que queremos salientar é que a construção do conhecimento é um processo social e não apenas individual (...)". Trata-se de uma reformulação compartilhada, na qual professor e aluno ensinam e aprendem um com o outro, reestruturando-se. Nesse processo de conhecer e compreender a realidade, o diálogo é fundamental, pois é através dele que ocorrerá o intercâmbio entre o conhecimento popular de caráter empírico e o conhecimento cientificamente organizado, "permitindo a criação de um novo tipo de conhecimento, capaz de compreender a realidade a fim de transformá-la".
Também Georges Gusdorf, no seu cativante livro Professores, para quê? ressalta a importância do diálogo no processo educativo. Esse educador preconiza uma pedagogia do encontro e do contato vital (p. 226), na qual a relação mestre-discípulo é o intercâmbio de duas existências. Trata-se da confrontação do homem com o homem (p. 235). E o diálogo é a própria essência da relação mestre-discípulo, que é uma relação de reciprocidade, uma mobilização e um reagrupamento de energias (p. 102).
Para Gusdorf, a situação pedagógica é uma situação de encontro existencial e de coexistência entre duas personalidades. É um diálogo aventuroso, um colóquio singular entre dois seres que se expõem e se revelam um ao outro (p. 206). Mestre é aquele que surge num dado momento e numa certa situação como testemunha de uma verdade, representante de um ideal ou revelador de um saber (p. 309). Assim, de acordo com a situação vivencial, todos nós podemos ser mestres e discípulos, pois estamos sempre ensinando o que sabemos e aprendendo o saber de outros. "Nada permite esclarecer melhor o mistério do ensino. A verdade só pode surgir como resultado de uma busca e de uma luta que cada um de nós tem que travar consigo próprio, por sua própria conta e risco".
Fizemos aqui uma breve síntese do pensamento desses autores, porque eles nos mostram que a atitude do professor, na sua interação com a classe e nas suas relações com cada aluno em particular, depende da postura por ele adotada diante da vida e perante o seu fazer pedagógico. Essa postura, por sua vez, é o reflexo de suas concepções, sejam elas conscientes ou inconscientes, sobre o homem, o mundo e a educação. Isto quer dizer que sua maneira de perceber o mundo, conceber o ser humano e encarar a educação vai refletir no modo como se relaciona com os seus alunos. De nada adianta conhecer novos métodos de ensino, usar recursos audiovisuais modernos, se encaramos o aluno com um ser passivo e receptivo. Portanto, nossa forma de ensinar e de interagir com os alunos vai depender do modo como os concebemos (seres ativos ou passivos?) e da maneira como encaramos sua atuação no processo de aprendizagem.
Quando o professor concebe o aluno como um ser ativo, que formula idéias, desenvolve conceitos e resolve problemas de vida prática através da sua atividade mental, construindo, assim, seu próprio conhecimento, sua relação pedagógica muda. Não é mais uma relação unilateral, onde um professor transmite verbalmente conteúdos já prontos a um aluno passivo que os memoriza.
Se o que pretendemos é que o aluno construa seu próprio conhecimento, aplicando seus esquemas cognitivos e assimiladores à realidade a ser aprendida e desenvolvendo o seu raciocínio, devemos permitir que ele exerça sua atividade mental sobre os objetos e até mesmo uma ação efetiva sobre eles. O aluno exerce sua atividade mental sobre os objetos quando opera mentalmente, isto é, quando observa, compara, classifica, ordena, seria, localiza no tempo e no espaço, analisa, sintetiza, propõe e comprova hipóteses, deduz, avalia e julga. É assim que o aluno constrói o próprio conhecimento. Este tipo de procedimento didático que parte do que o aluno já sabe, permitindo que ele exponha seus conhecimentos prévios e suas experiências passadas, para daí formar novos conhecimentos, cientificamente estruturados e sistematizados, exige uma relação professor-aluno biunívoca, dialógica. Nessa relação o professor fala, mas também ouve, ou seja, dialoga com o aluno e permite que ele aja e opere mentalmente sobre os objetos, aplicando à realidade circundante seus esquemas cognitivos de natureza operativa.
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