CULTO E MÚSICA - A MÚSICA NOS NOSSOS DIAS
- MINISTÉRIO RESGATE
- 29 de mar. de 2020
- 12 min de leitura

TEOLOGIA E MÚSICA
Podemos dizer que existe uma única música certa par aquele específico lugar no culto. Não serve qualquer música em qualquer lugar. Tem que ser aquela. Pode ser até uma única estrofe.
Naquele lugar tem a finalidade única de reforçar o que foi dito, tornar claro, a Palavra. Disse Lutero: “em nome da Teologia, concedo à música o lugar maior no culto”. Ele não está dizendo que a música é mais importante que a Palavra, ou que a Teologia. A música tem que ser subsídio para a Palavra; se não for, ela estará fora do contexto. “Hoje o conjunto ‘Fulano de Tal’ vem aqui abrilhantar o nosso culto”. Por que ? O culto não precisa ser abrilhantado. O culto não é uma festinha de aniversário. É fácil de perceber nos nossos dias uma confusão entre culto e festa. No Velho Testamento era mais fácil de se ver a distinção, porque existiam festas litúrgicas e momentos de adoração e sacrifício. Eram coisas diferentes. A festa era horizontal, era a hora de se alegrar no Senhor. Todo mundo se alegrava. Esta era a hora dos instrumentos, das danças, dos cânticos. Às vezes até no espaço do templo, inclusive, mas eram festas. Mas o culto sacrificial, o sacrifício, nem alegre era. Hoje temos misturado as coisas: Temos culto do pastor, culto do bebê, culto de formatura, culto das mães. Isso nos parece, criar algumas dificuldades para nós mesmos estabelecermos os limites. Até onde é “da mãe” e até onde “é de Deus”? Como vamos preparar o programa do culto e o sermão ?
OS BABILÔNIOS DE HOJE
Ouvimos muitas vezes pastores dizerem : “a gente precisa manter os jovens na igreja, os cultos precisam ser atraentes. Eu odeio essa música, mas tenho que deixar...” e quando cantam, muitos falam: “ainda bem que eles estão aqui, não estão no mundo”. É porque eles “estão aqui” que precisam fazer melhor que lá fora. Já houve uma época na nossa história reformada em que a música que acontecia nas igrejas era a melhor que se produzia naquele lugar. No séc. XVII, no séc. XVIII e no início do séc. XIX, se alguém visitasse uma cidade européia e quisesse ver e ouvir o que de melhor aquela população produzia, iria para a igreja. Lá havia a melhor música e a melhor arquitetura. Os músicos da corte do palácio iam lá aprender com os músicos da igreja. Havia uma romaria enorme até a cidade de Leipzig para aprender com Bach. Bach passou 45 anos de sua vida trabalhando como músico de uma única igreja (a igreja de St. Thomaz, em Leipzig). Sua obra inteira foi S. D. G. (Soli Deo Glori). Ele assinava assim. Essa era a sua finalidade; por isso ele fazia o melhor que podia, exatamente porque era para a Glória de Deus . O músico do palácio podia fazer de qualquer jeito porque fazia para ganhar dinheiro, era só para honrar o rei. Mas na igreja era o melhor que se podia produzir porque era para Deus. Percebe-se que mudamos radicalmente: estávamos na dianteira absoluta, e hoje isto mudou muito. Hoje nós estamos desesperadamente correndo atrás da música secular, para imitá-la, para ver se conseguimos manter o jovem dentro da igreja. É por isso que o povo não se importa mais com o nosso cântico de Sião. Os babilônios queriam ouvir o cântico de Sião, eram tocados em outros instrumentos, eram outros cânticos que não era o deles. Os babilônios (as pessoas fora da igreja) de hoje “não estão nem aí” com a nossa música. Hoje há várias rádios “gospel” tocando música o dia inteiro e não tem diferença nenhuma das outras (no sentido do estilo musical).
MÚSICAS BOAS E RUINS
Mas a música continua tendo dois papéis no culto. Ode impressão, de atmosfera, que ela já faz só com o instrumental. Mas o seu papel central no culto é o de expressão – é subsidiar o texto. E isso só acontece quando há um bom casamento entre os dois. Cada elemento diferente da música mexe com uma parte diferente do nosso organismo e isso faz com que sejamos integralmente atingidos, quer queiramos quer não, quer estejamos ouvindo ou não, quer sejamos perfeitamente hábeis, auditivamente, ou surdos completamente. A música consegue ser ouvida epidermicamente. A música influencia pessoas completamente surdas e altera o seu comportamento. Se delinear na mente de alguém a ideia de que estamos defendendo a música do hinário em detrimento dos novos cânticos (corinhos), ou defendendo coral em detrimento de conjunto, isso absolutamente não é verdade. Entendemos que existem hoje, muitas músicas novas boas e muitas ruins. A maior parte ruim por uma razão simples, porque elas ainda não foram filtradas pelo tempo; o tempo é um ótimo filtro. No séc. XVII também foi produzida muita coisa ruim, mas foi embora. Só ficaram as mel hores. Existem muitas músicas novas boas sendo produzidas e, por outro lado, nos nossos hinários, existem muitas músicas que não são tão boas assim. Não é pelo fato de estarem no hinário que são boas. Como líderes, temos obrigação de analisar cuidadosamente os textos das músicas que estão nos hinários, dos hinos que vão ser cantados. Estamos, muitas vezes, cantando coisas impressas nos hinários em que nem sempre acreditamos.
MÚSICA CERTA NO LUGAR CERTO
A nossa visão do que seja a música incorporada no momento de culto é que haja, primeiro, um trabalho muito consciente do líder na escolha do que vai se cantar; depois, aonde vai se cantar.
Gostaríamos de esclarecer um ponto em que a gente faz certa confusão. Existem hinos que são herança dos séculos XVII e XVIII, alguns são de estilo coral; alguns desses corais eram compostos e tinham cerca de 42, 43 e até 50 estrofe. Essas estrofes eram cantadas de acordo com o período por que se passava naquele momento. Por exemplo, se era uma época de Natal, cantava-se o trecho do hino que falava sobre o Natal. Muitas vezes, muitos desses hinos, são hinos que contam todo o plano da salvação. Esses hinos não foram compostos para ser cantados inteiros. Se você pegar o saltério de Genebra, por exemplo, que era o hinário de Calvino, ou o cancioneiro de Witemberg, de Lutero, vai encontrar muitos desses hinos. No saltério de Genebra vai encontrar o Salmo 119, inteirinho. Ninguém o cantava inteiro, evidentemente.
Cantavam-se trechos dos hinos, os trechos que tinham mais a ver com aquele momento de culto. Perdemos um pouco disso a partir do momento em que se passou a ter uma nova visão do hino: o hino apenas como subsídio musical do culto; canta-se o hino sem se preocupar com a letra. Se o culto está muito longo e o hino tem quatro estrofes e o coro, cantamos a primeira, a segunda e a última. Nunca a terceira. Mas às vezes a última começa com um “então”.
“Então”, por que ? Porque é a continuação da terceira. A nossa proposta é que cantemos as estrofes que servirem para aquele momento de culto. Pode até ser somente a terceira, se for a estrofe que sirva para aquele momento. Evidentemente, há hinos que não têm como ser partidos. Eles têm começo, meio e fim. Mas há muitos que são absolutamente compartimentados, eles foram pensados assim, para serem usados compartimentados. Vocês devem estar percebendo que isso exige trabalho e uma leitura cuidadosa.
PARÊNTESE NO CULTO
Quando começarmos a excluir isso, as coisas ganharão uma nova dimensão. Por exemplo, quando o grupo de jovens deixarem de ser parênteses de culto. Por que é parêntese? Começa o culto, faz-se a leitura, e então se passa ao momento de louvor. Abre-se o parêntese: o grupo vai para frente, afina os instrumentos e dirige o louvor. Canta-se uma vez uma música com todos, depois só as mulheres, então só os homens, explica-se o que o Espírito Santo faz na vida do crente; depois mais um cântico, mais um, outro mais.
Quarenta minutos depois, todo mundo em pé, fecha-se o parêntese e o dirigente diz: “agora vamos continuar o nosso culto...”. Esse é um grande erro, e é recente em nossa história cúltica. Quando nós todos éramos crianças, não havia isso. Isso começou a acontecer no final do séc. XIX, quando algumas denominações enfatizara m tremendamente o acampamento de jovens. Nasceu daí uma música especial para esses tipos de reuniões; chamados corinhos; mas a força maior surgiu, na verdade, nos anos 80, quando os acampamentos reuniam uma quantia muito grande de jovens e para esses acampamentos compunham-se e cantavam-se determinado tipo de música que não tinha nada a ver com a música que se cantava regularmente nas igrejas. Esses jovens passavam lá, um final de semana e quando chegavam na igreja queriam, com a maior das boas intenções, trazer aquela atmosfera, aquilo que sentiram lá no acampamento e a música que aprenderam e cantaram lá. Nessa mesma época, as nossas igrejas não estavam aparelhadas para oferecer um tipo de música alternativa de boa qualidade para os jovens.
MÚSICA SACRA OU PROFANA ?
A geração dos anos 10 e 20, ou parte dela foram convertidas ainda pelos primeiros missionários ou, quando não, pelos herdeiros dessa conversão. Essa geração, e a geração que veio imediatamente depois foi uma geração conversionista, ou seja, convertida, isto é, os nossos avós que frequentavam a igreja evangélica, já tinham sido católicos antes de se converterem. Quando eles se converteram, cantaram um tipo de canção completamente diferente de tudo que eles tinham ouvido até então. Quando os nossos avós cantaram os hinos dos Salmos e Hinos (o primeiro hinário traduzido integralmente), eles se consideravam cantando música absolutamente sacra, porque aqueles sons nunca haviam sido ouvidos antes. Não interessa se era, até mesmo, uma música de bar americano. Aqui é um terreno complicado porque toca mesmo no que é música sacra e o que não é música sacra. Modernamente, definimos música sacra para um grupo; é impossível definição de música sacra genérica, por uma razão muito simples: o sacro, na verdade, aquilo que é verdadeiramente aceito por Deus, não tem nada a ver com a qualidade dos sons; tem a ver com o coração e lábios limpos, tem a ver com o cantante, e com Deus.
O estilo que está soando no espaço é mais ou menos convencional para um grupo de pessoas, isto é, se é sacro ou não para aquelas pessoas que estão ali. Cuíca é um instrumento sacro ou profano, na sua cabeça? Profano! Por que? Porque associamos com o carnaval. Agora, leva essa cuíca para o Tibet, converta os tibetanos e diz a eles que esse instrumento vai iniciar todos os Cultos ao Senhor. “Esse som vai ser o introdutório do culto”. Pronto, a partir de então, aquilo lá vai ser o som santo por excelência, sacro por excelência. A cuíca não é menos santa do que o violino. O violino é feito de madeira, tripa e metal. A cuíca é feita de madeira, pele e metal. “Igualzinho”. Materialmente, não há diferença. Portanto, temos que pensar o que vale para as músicas. Temos ouvido muito isto: algumas igrejas cantavam “passarinhos, belas flores”, (hoje já não canta mais), isso era música de bar americano. Era mesmo, só que ninguém sabia que era. Aquele som nunca havia sido ouvido aqui; aquele tipo de melodia foi identificado pelos nossos avós, bisavós, como música sacra. Por que? Porque ela era diferente da que eles cantavam nos bailinhos de final de semana, ou na igreja católica que eles frequentavam. É exatamente isso que hoje é usado como critério para definir, para um grupo sociocultural, o que é música sacra: é diferente ad música que aquele grupo conhece, fora do templo.
Esta é a primeira característica de música sacra, naquele momento histórico. A segunda é que ela é, basicamente, acompanhamento para a Palavra. Quando eles cantavam aquele tipo de música aquilo era, para eles, música sacra. Pode ser que para os nossos dias não seja mais. Quando o coro ou a congregação canta um hino, muito s se sentem elevados com essa música sacra. Certa vez uma família alemã que veio passar férias no Brasil e foi a uma igreja, e o coro levantou e começou a cantar um hino, eles ficaram assombrados, porque esse era o hino nacional alemão, que Hitler obrigava todo mundo a aprender. Mas isso não quer dizer que a melodia que está lá é ruim. Era Haydn, uma maravilha. Mas quando ficamos sabendo da sua raiz, então complica. Outro exemplo é o hino “Grande é Jeová”. Quer música mais sacra que esta? Mas isso é Tannhäuser, uma ópera de Wagner, e nessa ópera, o cavaleiro rapta a princesa da torre, com nem um pouco de boas intenções, bota-a debaixo do braço e vai embora. O mesmo acontece com o “Largo” de Handel que todo solista gosta de cantar. Quer coisa mais santa? Só que aqui é o rei Xerxes, embaixo da macieira, olhando a pessoa que iria conquistar e agradecendo a sombra da macieira.
Isto não é sacro (estamos falando da melodia e não da letra da música). Percebe-se, portanto, que essa é uma questão muito complicada e elas só são resolvidas exatamente assim: música sacra é aquela, para aquele grupo sociocultural, diferente da sua secular, ou seja, a música sacra é a diferente da que, naquele momento, é secular.
MÚSICA DE IMITAÇÃO
Será que a nossa música tem que ser uma imitação da música secular ? Não ! Será que, então, estamos defendendo aqui que devemos cantar somente os velhos hinos dos hinários ? Também não. Será que estamos dizendo que os jovens não têm participação no culto ? Também não. Gostaríamos muito de ver outra vez a música da igreja liderando o movimento cultural, que ela fosse melhor e nitidamente melhor.
Isso não é impossível. Temos visto isso acontecer em outros lugares, não no Brasil. Nós, infelizmente, no Brasil, tivemos uma censura, uma lacuna muito grande. Quando os jovens procuravam por uma coisa nova não tinham isso sendo fornecido. A geração dos anos 30 cantou os hinos do hinário sem problemas; a dos anos 40, também, mas já cantou um ou outro corinho; a dos anos 50 cantou mais corinhos; a dos anos 60, só cantava corinhos; a dos 70 não quer cantar nada que não sejam as músicas novas. Por que? Porque quando a geração dos anos 50 e 60 procurou alguma coisa, não encontrou; os músicos sacros; se haviam, estavam calados; não havia ninguém compondo hinos, que pudesse ao lado do hinário, parecer como uma alternativa boa. Porque é muito fácil a gente falar para o jovem: “isso é uma droga”. Difícil é falar: “isso é melhor que isso” e fazê-lo sentir que é melhor mesmo.
Temos visto muito nas nossas igrejas pessoas falando assim: “O rock não pode”. “Por que ?” “Porque não”. “Mas por que não ?”, “Porque é do diabo”. “Mas por que é do diabo ?” “Porque é”. Isso é resposta ? “Esse tipo de música não pode por causa disso, disso, e disso”; “porque tem uma outra muito melhor, ouça”. Onde está essa parte ? Não é só criticar : “esse conjunto de jovens é uma droga”. É mesmo, muitas vezes, mas onde está um melhor ? Falta mostrar como fazer melhor, como fazer diferente. Pegar essa criatividade que está ai e multiplicar isso. Se for verdade que nos últimos anos a produção de música nacional sacra não esteve muito boa, para oferecer uma alternativa satisfatória, quem sabe os próximos anos serão melhores. A geração passada quando quis cantar coisas novas não encontrou nada. Ou cantava as coisas velhas ou importava. E importou, num primeiro momento, dos Estados Unidos nem sempre as melhores coisas; num segundo momento imitou aquela música. Nas primeiras gravações de grupos alternativos jovens no Brasil, você tem música americana, autenticamente americana, traduzida para o português. Música jovem americana. Num segundo momento, música escrita no Brasil por eles mesmos, mas imitando o estilo que havia sido importado. Num terceiro momento, nacionalismo exacerbado; que condena tudo o que é importado e surgem os grupos superalternativos, proclamando que tudo que vinha de fora, em princípio, não prestava; a gente tinha que fazer uma coisa que fosse só nossa. É ai que se esbarrava num problema sério: de convencer o pessoal do Sul a cantar baião; isto é uma loucura, porque aquilo não era deles na verdade. Nós estamos tão fragmentados nessa questão cultural, que para o pessoal do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, o coral alemão era muito mais música deles do que baião.
BOA PERGUNTA : E AGORA, O QUE A GENTE FAZ DOMINGO QUE VEM ?
A primeira coisa : já vai melhorar muito quando lermos os textos dos hinos (seja dos hinários ou corinhos) cuidadosamente, e isso não é fácil de fazer: ler o texto criticamente quer seja um dos novos ou do hinário. É muito difícil porque : primeiro, quando lemos um hino impresso, lemos com respeito, pois consideramos uma palavra “meio inspirada”; temos dificuldade em criticar, ainda que esteja péssimo em linguagem e Teologia; a segunda dificuldade que temos em relação aos hinos é que muitos deles nos acompanham há muito tempo, então, estamos muito ligados emocionalmente a eles. Temos uma ligação emocional que não nos permite ser racionais, muitas vezes, para fazer uma análise honesta daquele texto. Se conseguirmos fazer isto seriamente, sempre, tanto com os hinos do hinário como com os novos, num primeiro momento; e, num segundo momento, feito esta seleção, encontrarmos o lugar “certo” deles acontecerem; e ao invés de um pacote de 40 minutos de música, usaremos dentre aquelas 6, 7, ou 8 músicas selecionadas, aquela certa para o momento certo, então o nosso culto passa a ter coerência e as pessoas começam a ter a sensação de começo, meio e fim. E isso já melhora no domingo que vem!
E depois, entendemos que a função dos líderes nas igrejas tem que ser despertar nas pessoas vocacionadas para a música o senso de responsabilidade de que estão fazendo uma coisa muito séria. Descobrir essas pessoas e levá-las par frente. Para frente não quer dizer para frente da igreja, para tocar. Quer dizer : “levá-las a aprender”. Ninguém tem mais desculpas de que não tem onde aprender. Há cursos ótimos, professores ótimos, em muitos lugares. É preciso resgatar a importância de se aprender música, que se perdeu na nossa cultura
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